Caros amigos:
Num mundo em que o anonimato socumbe facilmente a qualquer investigação atenta, não adianta escondermo-nos. Pouco importa, por isso, tentarmos parecer aquilo que não somos, especialmente através deste universo da NET, em que é tão fácil mascarar-nos, quanto o é caír-nos a máscara.
Tentar parecer aquilo que não somos é _ na maioria das vezes _ confeçar, gritando, aquilo que somos, na verdade. Pensando isto, para mim mesmo antes de tudo, como advertência, decidi partilhar com todos determinados pensamentos que me têm ocorrido acerca da minha vida, esperando que eles sirvam para levar adiante algum conforto, já que me têm confortado a alma e convocado à perseverança em progredir!
Acredito ser esta vida física que agora vivemos apenas uma página dum livro que estamos a escrever. Tenho a certeza _ por estudo e pela convicção natural de quem assim sente _ de que a cada existência material se sucede um tempo de permanência na dimensão espiritual. Durante este tempo de intervalo entre as romagens no mundo em que agora nos encontramos, reflectimos, estudamos, sofremos por vezes, preparamos a nova permanência entre os homens e mulheres de carne e osso e, por fim, voltamos a nascer para cumprir as missões a que nos tenhamos proposto.
É à luz destas convicções que encaro tudo o que me rodeia e _ por consequência _ a minha própria deficiência visual. Sou amblíope, com uma visão de aproximadamente 10%. Tenho um aparelho ocular mal desenvolvido com micro-córnia, opacificação do cristalino e mais algumas complicações que, sinceramente, não sei descrever com a necessária clareza.
Agora, que já me apresentei minimamente, quero tocar o assunto que me propuz abordar com esta primeira entrada no meu blog: Considero que a minha dificuldade com a visão me tem dado, ao longo desta existência, bem mais do que aquilo que me tem tirado. Tirou-me a possibilidade de guiar um automóvel _ é o que mais lamento, coisa bem fútil, aliás _ pode ter-me tirado a possibilidade de conseguir um emprego melhor _ embora eu esteja bastante contente com o meu trabalho como produtor de programas de rádio _ mas, no meu entender, deu-me, de facto, muito mais.
Deu-me a possibilidade _ para mim real e absolutamente mensurável _ de olhar mais para dentro de mim mesmo, gastando muito mais energia e tempo a tentar descobrir quem sou, de onde vim, e para onde quero ir; deu-me o ensejo de dedicar mais tempo à leitura, a compôr música, a escrever, e a pensar nos outros mais do que, certamente, o faria se estivesse empregado numa grande emissora de rádio ou tv, com o meu horário todo tomado entre viagens, divertimentos, shows de toda a espécie, etc.
Não padeço de qualquer tipo de horror em relação à vida social, ou às pessoas que têm sucesso ou dinheiro em abundância. Mas a minha deficiência visual convocou-me a encontrar nas coisas a que mais me dediquei, a capacidade de me fazerem sentir realizado. Se não me realizei com a fama, o sucesso, o dinheiro em abundância, as aventuras amorosas em catadupa, ou as demais coisas que passam e costumam fascinar aqueles que as gozam e tantos outros que por elas lutam; tenho-me vindo a realizar com a ideia de que estou a construir-me a mim mesmo e com a esperança de que posso auxiliar outros a fazê-lo igualmente.
Acho , sinseramente, que se visse bem, teria enveredado por caminhos diferentes e hoje seria um homem realizado de outra maneira... Se, como acredito, optei por ser deficiente antes de nascer aqui no mundo físico, digo-vos, com toda a convicção da minha alma,que ainda ninguém me mostrou que tivesse tomado a opção errada! Sou um homem prático. Tenho uma linda mulher que amo e me ama, um miúdo cinco estrelas, pais e sogros com quem posso contar, um trabalho que gosto, boa saúde e vontade de viver... Sou um homem feliz porque tenho, além de tudo isso, a felicidade de não me revoltar com a minha baixa visão e a suprema ventura de saber que, mesmo essa deficiência, é apenas mais um dos talentos que o universo me concedeu para multiplicar...
Porto, 30 de Julho de 2009.
-
Partilhe no Facebook
no Twitter
- 3302 leituras
Comentários
Bem Comum
Como disse algures, recentemente, é nas alturas de viragem de uma situação que nos era boa para uma outra menos boa, que se fica a conhecer o potencial que se tem, a nobreza do carácter de cada pessoa que nos rodeia e a imensidão de coragem e força que nasce, sabe-se lá de onde... que é capaz de fazer qualquer um surpreender tudo e todos, verdade? Mas Deus não dá com uma mão para tirar com outra, mas como tudo tem um sentido nesta vida, acredito que cada um tem uma missão a cumprir enquanto residir nesta vida e não é para cuidar do seu umbido, mas para lutar em favor da felicidade e essa reside indubitavelmente no alcance do BEM COMUM...
Ana