Ministério nega discriminação de alunos com deficiências e diz que está a trabalhar nas adaptações necessárias para que os portáteis possam ser utilizados por estes estudantes, mas não avança prazos para a distribuição. Reacções dividem-se entre a satisfação e as críticas pela demora.
O secretário de Estado da Educação, Valter Lemos, garantiu ontem ao DN que a maioria dos alunos com deficiências - como a cegueira e paralisia, que os impedem de operar os computadores Magalhães - "vai receber" estes portáteis já adaptados às suas necessidades, mas não se comprometeu com prazos para as respectivas entregas.
Confrontado com algumas acusações de discriminação a estes alunos que têm circulado na "blogosfera", o governante começou por criticar... os críticos: "Houve quem dissesse que os alunos com deficiências não recebem o Magalhães, o que é falso", disse. "Se o pedirem, recebem-no. O que se passa é que há estudantes com deficiências que os impedem de poder utilizar a versão disponível, o que implica adaptações que levam tempo."
Segundo Valter Lemos, estas adaptações já foram feitas com os portáteis do programa E-escolas, para os estudantes do 3.º ciclo e secundário (o Magalhães é para o 1.º e 2.º ciclos), embora também com demoras. "Já foram entregues portáteis do E-escolas preparados para alunos deficientes", contou. "Ainda não foram satisfeitos todos os pedidos, mas o E--escolas é um programa que não acaba e vão surgindo novas solicitações."
Em relação ao Magalhães, admitiu o secretário de Estado, há "dificuldades" relacionadas não só com a dimensão reduzida dos portáteis mas também com o facto de estes "virem com software educativo, enquanto os computadores do E-escolas só têm o software operativo".
Mas, segundo garantiu o governante, "os serviços responsáveis do Ministério estão a trabalhar com as empresas no sentido de fazer as adaptações necessárias". Algumas das alterações, "como a substituição do texto por voz e o teclado adaptado [para invisuais], serão feitas com facilidade". Outras, reconheceu Valter Lemos, poderão ser impossíveis: "Não sei se existe tecnologia que possa ser adaptada ao Magalhães para responder a todos os desafios", disse.
Ainda assim, a promessa foi recebida com agrado pelas entidades que apoiam estes cidadãos. Para António Matos, da Associação portuguesa de Deficientes, " todos os instrumentos de trabalho, incluindo este computador, devem ser acessíveis a todas as pessoas com deficiências de modo a que todas as crianças estejam em condições de igualdade". Já Fernando Santos, da Associação de Cegos e Amblíopes de Portugal, lembrou que "é possível colocar em qualquer computador o programa para adaptar o sistema a deficientes invisuais".
Por outro lado, Vítor Gomes, responsável pela Federação Nacional dos Professores para o ensino especial, defendeu que "isto deveria ter sido pensado logo no início. Se era para todos os alunos de escolaridade obrigatória, é estranho só agora ser adaptado para estes alunos com necessidades educativas especiais".
Entretanto, a ministra da Educação vai ter de explicar aos deputados, na próxima terça-feira, a pedido do PSD, o processo de selecção das empresas envolvidas na produção e conteúdos do Magalhães, na sequência da notícia do Expresso sobre dezenas de erros de português nos jogos didácticos incluídos no portátil.
Fonte: Diário de Notícias
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Comentários
Será fácil tornar o Magalhães acessível?
A Meu ver, não é muito fácil tornar o Magalhães verdadeiramente acessível a deficientes visuais.
Para além de um pequeno computador, o Magalhães possui inúmero software educativo, sem o qual não faria sentido a sua existência.
É muito fácil instalar um leitor de ecrã, até pode ser barato se for usado o NVDA. O problema consiste em tornar os softwares educativos acessíveis. Infelizmente enquanto a petição pela acessibilidade electrónica não der os seus frutos, os softwares produzidos em Portugal continuarão a ser maioritariamente inacessíveis.
Pode ser que esta dificuldade em tornar os Magalhães acessíveis desperte consciências para este gravíssimo problema, que provoca sérios entraves na vida pessoal e profissional de muitos deficientes visuais.
E-escolas acessíveis?
Se os computadores adaptados do E-Escolas estão a ser entregues, gostaria de saber como se pode fazer o pedido.
Não tenho conhecimento de qualquer entrega de computadores adaptados no âmbito da iniciativa E-escolas (para além dos que foram atribuídos na cerimónia pública de entrega de computadores há cerca de um ano, em Viseu).
Concordo com o Daniel Serra sobre a necessidade de despertar consciências para este enorme problema
Adaptar o Magalhães
Viva,
No âmbito do meu trabalho tive que analisar o Magalhães do ponto de vista do aluno cego ou com baixa-visão. Há muito a dizer sobre isto, e tenho mais dúvidas do que certezas. Mas uma coisa é certa: este Magalhães é muito pouco amigável para quem não vê ou vê mal.
A pergunta que devemos fazer em primeiro lugar é: será que faz sendido adaptar o Magalhães a alunos cegos? Sendo uma máquina destinada ao primeiro ciclo, as suas dimensões e potência são muito reduzidas. Depois de instalar um leitor de ecrã o sistema ficou quase sem espaço em disco, e muito lento. Além disso, pasme-se, o Magalhães não tem tecla Windows nem tecla de aplicação. Será injusto dizer que foi todo ele (computador e softare) desenvolvido sem se pensar neste grupo de alunos, e agora à posteriori é que se tenta adaptá-lo?
No meu ponto de vista, e em consonância com as conclusões a que tenho chegado no âmbito do meu mestrado, adaptar o Magalhães não é a opção mais correcta. Mesmo que se obtenha algum sucesso, instalando um leitor de ecrã e optimizando a acessibilidade das aplicações, o resultado será sempre medíocre, porque toda a lógica de interacção com a máquina se baseia no uso da visão.
Seria mais correcto criar um painel de discussão com especialistas em educação especial na deficiência visual e nas tecnologias de apoio, e configurar uma máquina adequada. Se para um jovem cego, ou adulto, usar um leitor de ecrã pode ser uma experiência difícil e até frustrante, que dizer de uma criança com menos de 10 anos? Preconizo antes a instalação de um sistema em ambiente protegido, como o Guide, que, como o próprio nome diz, vai guiando o utilizador passo-a-passo até à obtenção dos resultados. É um software muito interessante, a lançar no terceiro trimestre deste ano em Portugal, e adequado para todos os iniciados ou intimidados com o computador. Outras soluções, incluem por exemplo, jogos específicos para pessaos cegas, baseados no som. O importante é que o computador seja uma ferramenta que ajude o aluno cego a atingir o mesmo grau de satisfação e de realização que os seus colegas. Mesmo que o faça de outra forma. Não é isso afinal que se passa com o sistema Braille?
gostaria de entrar em contacto consigo
Estou a fazer um mestrado em TIC - Educação e formação e estou a pensar no tema da minha tese de mestrado em trabalhar o magalhães em crianças do ensino especial, pelo que li também fez qualquer coisa do género. Será que pode entrar em contacto comigo?
pandamarisa@hotmail.com
a falta de acessibilidade no magalhães pode ser bem mais aprimei
Prezados amigos e visitantes deste espaço.
Participo com muito prazer nesta discussão, e penso que esta questão é de grande importância, porque sem querer podemos estar aqui a abranger várias questões transversais à acessibilidade ao software e hardware não só para as crianças, mas para todos os utilizadores em geral.
Por isso, eu entendo que é de facto importante analisar no concreto a acessibilidade do Magalhães, e ver até que ponto se pode adaptar o software e hardware para a eficaz utilização de pessoas cegas, mas também devemos aproveitar este balanço para englobarmos outras questões tão ou mais importantes.
Posto isto, diria que.
Em termos genéricos não se pode dizer que o Magalhães é acessível. De facto, pode-se instalar um leitor de ecrã, e o comportamento do computador é razoável, dá perfeitamente para trabalhar, isto apesar de a qualidade de som ser francamente baixa, mas é algo que tanto afecta os cegos, como também as outras crianças, que também vão usar bastante este recurso, para os jogos e outras aplicações.
Eu pessoalmente não queria a máquina nem dada, mas em fim como não sou fabricante de hardware não sei até que ponto se poderia fazer melhor pelo mesmo preço.
De facto o computador não tem nem a tecla do windows nem a tecla das aplicações, e este facto é para mim incompreensível, tanto mais que por exemplo a gama EE pc da Asus apresenta estas duas teclas, e tratam-se de máquinas com idênticas dimensões, creio até mesmo com o mesmo número de teclas, embora neste momento não possa confirmar esta minha observação.
No caso dos computadores Magalhães que testei, procedi à instalação do jaws 9.0, e do dosvox 4.0, que instalei precisamente por causa dos jogos adaptados, a máquina ficou com quase 3 Gigas livres na unidade C.
Realmente é pouco. Mas tendo em conta o tipo de máquina e a forma como ela foi concebida aceita-se apesar de tudo esse espaço. Até porque o software adicional que eu instalei rondará os 150 mbs, o que não é nada por aí além.
Ou seja, neste caso o espaço disponível tanto condiciona a utilização de pessoas cegas como das pessoas normovisuais, embora estas sempre tenham a possibilidade de usarem o linux. Mas creio que geralmente ou usam um sistema operativo ou usam outro, e portanto voltamos a ter o mesmo problema, seja qual for o sistema operativo utilizado.
Temos depois as dimensões da máquina. Eu pessoalmente adoro este tipo de máquinas, até porque sou assumidamente um admirador incondicional dos ultraportáteis, e posso dizer que mal eles foram colocados à venda em Portugal adquiri logo um, e considero mesmo que estamos perante uma das maiores maravilhas tecnológicas de 2008!
E sinceramente, admitindo com naturalidade que a minha opinião possa estar algo condicionada acho que este tipo de máquinas poderão ser muito vantajosas para as crianças cegas.
Por quatro razões essenciais.
Primeiro, são crianças que se adaptam muito mais facilmente.
Segundo, o facto de as teclas serem pequenas não é problema porque os dedos das crianças também são pequenos.
Terceiro, são computadores muito pequenos, fáceis de transportar, e sabendo-se que uma criança cega irá usá-lo bem mais do que os normovisuais, nomeadamente quando falamos da escola propriamente dita isto é em minha opinião uma grande vantagem.
Quarto e último, é um computador resistente ao choque, e quando falamos de crianças isso faz toda a diferença.
Agora vamos à questão da acessibilidade propriamente dita.
Quando se diz que basta colocar um leitor de ecrã no Magalhães e isso torna o produto acessível, é uma opinião da qual eu respeito mas não concordo.
Por várias razões.
Primeiro o Magalhães não é só um computador, trata-se de um produto combinado que contém hardware, sistema operativo e software didáctico. Sem a componente didáctica este produto não faria sentido, bastaria adquirir um dos tais ultraportáteis, e inclusive teríamos uma máquina com muitíssimo melhor hardware do que propriamente este Magalhães.
Segundo, os graves problemas de acessibilidade não se verificam no windows, no office, na internet, no mail etc. As grandes lacunas ao nível da acessibilidade fazem-se sentir no acesso aos jogos, e ao software didáctico.
E aqui é que está o cerne da questão! Por isso eu ter dito no início desta mensagem que achava que deveria ser aproveitado este balanço do Magalhães para englobar outras questões transversais à acessibilidade para pessoas com deficiência visual.
Por exemplo: a diciopédia que vem no Magalhães não está acessível aos cegos. Eu pergunto, e mesmo fora do Magalhães, quantas diciopédias os cegos têm acessíveis?
A resposta infelizmente é assustadora. Não têm nenhuma. Por isso eu compreendo aqueles que dizem que basta instalar um leitor de ecrã no Magalhães para tornar a máquina acessível. De facto, infelizmente isso acaba por ser verdade, porque o software do Magalhães que é inacessível também o é fora do Magalhães.
Mas então, vamos aproveitar este facto do Magalhães para dizer que, os cegos também têm direito a usarem os dicionários da porto editora, as suas diciopédias etc.
E não vamos vender a ideia a nós próprios que o Magalhães é acessível, porque podemos estar a desperdiçar uma grande oportunidade de ir mais além.
Um abraço a todos.
Filipe Azevedo