Quem nunca pensou em certas profissões e não disse: "esta profissão uma pessoa cega não pode ter".
Mostrando que química não é disciplina inatingível à pessoa cega, Cary dá-nos uma aula de profissional cego, no mundo da química.
Estudo, crença em sua própria pessoa e senso de colaboração são quesitos subjetivos, porém sólidos no desenvolvimento do bem-estar dos alunos.
Leiam o artigo abaixo e saibam mais sobre Cary Supalo e o mundo da química de que ele faz parte.
Cegos Podem ser Bem Sucedidos em Aulas de Química
Por Cary Supalo
Nota do Editor: O artigo a seguir é baseado numa palestra que Sr. Supalo deu para o Washington D.C. Student Seminar patrocinada pela National Association of Blind Students. Cary Supalo, um ganhador de uma bolsa de estudos NFB, é um candidato a um Ph.D. em Química na Penn State University. Ele está, assim ele me diz, trabalhando num projeto de síntese de catálise heterogênea numa tentativa de otimizar outputs de energia com tecnologias de pilhas termelétricas (N.T. pilha termelétrica dispositivo para converter energia química em elétrica) hidrogênio. Certo. Mas não pule o artigo seguinte ainda! Você realmente não tem que entender nada sobre Química para entender as técnicas e estratégias que Cary esboça abaixo. Aqui estão algumas dicas para alunos iniciantes de Química, e para alunos que apenas querem receber aprovação em suas aulas de Química.
Você já se perguntou por que o gelo derrete, e a água evapora? Por que as folhas mudam de cor no outono, e como uma bateria gera eletricidade? Por que manter o alimento frio retarda a sua deterioração, e como os nossos corpos usam o alimento para manter a vida? A Química fornece respostas para estas perguntas e incontáveis outras como estas.
A Química é o estudo das propriedades da matéria e das mudanças pelas quais ela passa. Umas das grandes satisfações em aprender Química é ver como princípios químicos funcionam em todos os aspectos de nossas vidas, desde atividades do dia a dia, como acender um fósforo a assuntos de grande projeção como o desenvolvimento de drogas para curar o câncer. Falarei para vocês um pouco sobre como cheguei onde estou hoje, e alguns dos meus truques que usei em aulas de Química.
Foi no tempo em que eu era um estudante universitário, antes de colar grau em Purdue que primeiro percebi a importância de boas habilidades alternativas de cego em minhas buscas acadêmicas.
Quando entrei para a faculdade, eu possuía o que considerava então ser níveis de habilidade adequados em uso da bengala, uso do Braille e de uma tecnologia assistiva de computador. Mas eu cheguei à percepção de que mais treinamento era necessário quando, depois de meu primeiro ano em Purdue, eu não estava satisfeito com o meu nível de desenvolvimento acadêmico, e estava chateado pelo fato de não poder usar o meu tempo mais eficientemente.
Eu tive a felicidade de ter a oportunidade de ir para a BLIND, Inc., em Minneapolis, Minnesota [um dos três centros de treinamento e reabilitação NFB para o Cego]. Lá eu aprendi como locomover-me mais independentemente; ler e escrever em Braille mais rápido; e como usar o computador como tecnologia assistiva, eficaz e eficientemente. Mas o mais importante, eu desenvolvi uma atitude positiva em relação à cegueira.
Pouco tempo depois que completei o programa da BLIND, Inc., eu voltei para Purdue e decidi mudar a minha graduação para Química. As habilidades e atitudes positivas que tinha obtido me ajudaram a por fim ao eterno curso de minhas ações, perante meus estudos. Tornar-me um químico? Como poderia uma pessoa cega fazer isso?
Bem, agora, eu tinha confiança de que eu podia encontrar respostas para essa pergunta.
O fato é que eu tinha encontrado um professor de Química cego, que me deu as dicas básicas e ofereceu-me a sua ajuda se eu precisasse de algo, ao longo de minha jornada.
Para ser bem sucedido na minha nova graduação, eu aprendi que precisava tornar-me bastante bom na obtenção de materiais em formatos alternativos, especialmente desenhos táteis de conceitos gráficos, apresentados em minhas aulas. Eu também tinha que me tornar um excelente administrador de técnicos de laboratório, de escribas, e de ledores.
Eu usei técnicos de laboratório (lab techs) ao longo de toda a minha carreira na graduação. Um lab tech é alguém que me dá assistência durante a realização de experimentos de laboratório e no registro das informações num notebook. Contudo, é meu dever instruir o técnico, quanto ao que fazer, por quais métodos, que peças de laboratório usar, e assim por diante. Não era simplesmente você faz o experimento para mim e me diz o que acontece. Alguns lab techs pensavam que este era o propósito do emprego deles, mas eu rapidamente aprendi a explicar-lhes a importância de descrever resultados e set-ups de equipamentos de modo que eu pudesse obter um retrato sobre o que estava acontecendo no laboratório.
Ao contratar um lab tech, escriba ou leitor, é importante enfatizar a necessidade de ele chegar na hora certa, e procurar por todas as outras qualidades que um bom funcionário deve exibir. Eu também verifiquei ser útil estabelecer uma boa relação com essa pessoa. É essencial para alunos cegos comparecerem num laboratório completamente preparados. Isto significa que nós tenhamos lido o prelab inteiro, quaisquer leituras designadas que sigam junto com ele, e termos planejado sobre como realizar o experimento. Não é absolutamente essencial que você entenda tudo antes da sessão de laboratório porque, evidentemente, é por esta razão que nós fazemos laboratório para aprendermos. Na maioria das aulas, você terá a oportunidade de perguntar a seu instrutor questões sobre qualquer coisa que você não entenda depois da palestra pré-lab.
No que concerne a ser bem sucedido em cursos no formato de palestras, é importante para os alunos cegos terem boas habilidades de tomarem notas, quer seja em um notetaker portátil e/ou uma reglete. Este é um componente chave do sucesso em aula de Química. Também é absolutamente essencial que você tenha acesso a desenhos táteis a respeito do assunto que o professor estiver palestrando, idealmente, ao mesmo tempo em que o professor está apresentando. Isto pode ser feito de várias formas diferentes. Um método é ter alguém um escriba sentado perto de você na sala de aula. O trabalho do escriba é usar um kit para desenho em relevo para passar a informação gráfica enquanto o professor a apresenta à turma. É importante que você e o escriba estabeleçam um código de etiquetação para os seus gráficos de modo que você possa facilmente entendê-los depois que a aula terminar, e quando o escriba não estiver ali para explicá-los. Eu aprendi que alunos de artes (por razões óbvias) tendiam a ser os melhores neste tipo de trabalho.
Um segundo método é simplesmente perguntar ao professor se ele ou ela deseja fazer desenhos táteis para você, antes da aula. Eles não devem ter que passar mais de 5 minutos desenhando estas figuras, e você deve fornecer-lhes as ferramentas de desenho tátil e materiais. Um método de etiquetação para os desenhos deve ser estabelecido de modo que você possa acompanhar que gráfico ou figura olhar durante a palestra. Eu simplesmente pedia ao professor que etiquetasse os gráficos como, figura 1, figura 2, e assim por diante. Então, durante a aula, o professor referia aos gráficos ou desenhos por aqueles números de figuras. Ao término dos trabalhos, esta técnica de verbalizar uma etiqueta para cada figura obteve comentários favoráveis de outros alunos na aula. Essa técnica lhes ajudou também.
Eu descobri que professores em aulas em níveis mais altos da graduação, e aqueles que gostavam de ensinar e realmente tinham interesse no aprendizado de seus alunos, tinham mais desejo em utilizar estas ajudas. Contudo, se o foco principal do corpo docente estivesse na pesquisa, não em ensino, então eles nem sempre queriam seguir as minhas sugestões. Isto simplesmente variava de professor para professor. Se nenhuma destas técnicas funcionassem, então eu providenciava uma cópia das anotações de um colega de modo que eu pudesse obter desenhos táteis das figuras, feitas depois que aula terminasse.
Em alguns casos, grandes aulas orais podem ter um escriba designado para o curso. Estas anotações são então guardadas numa biblioteca para todos os alunos do curso examinarem. Isto, também, pode ser um recurso útil se estiver disponível.
Para aqueles de vocês interessados em Química Orgânica, uma ferramenta útil que desenvolvi na metade dos anos 90 é algo que chamo de um Kit de Desenho de Química. Basicamente consiste em um pedaço de feltro colado sobre a parte de cima de um pedaço de cortiça que você dobra ao meio para ter mais portabilidade, e recortes de círculos e pequenos retângulos com Velcro na parte de trás para representar ligações químicas. Eu etiqueto alguns dos recortes, em tinta e em Braille, com os símbolos (N) para nitrogênio, (O) para oxigênio, (S) para enxofre, etc. Eu também uso um recorte quadrado como wild card que muda o seu significado de mecanismo para mecanismo dependendo que catalisador especial a reação pode requerer.
Para mostrar stereoquímica, i.e., tridimensionalidade de uma estrutura molecular (que é um conceito crítico em entender Química Orgânica), eu uso recortes de wedges- alguns com Velcro dos dois lados, alguns com Velcro apenas de um lado. As wedges com lado liso mostravam átomos que ficavam sobre o plano do quadro, e os wedges com Velcro dos dois lados mostravam átomos abaixo do plano do quadro. Este kit é muito acessível quando fazendo sets de homework como também realizando mecanismos em perguntas de questionários e exames. É também útil quando um professor está apresentando um mecanismo detalhado num setting de palestra. O seu escriba pode colocar as estruturas para você no quadro de feltro, enquanto o professor está falando sobre o tópico. Isto melhorou significativamente minha compreensão do conteúdo na classe.
Os materiais para fazer este kit são baratos e facilmente disponíveis em qualquer loja.
Ser um bom administrador de leitores, escribas, e técnicos de laboratórios é habilidade importante para sucesso num campo técnico. Você deve também ser capaz de claramente explicar suas necessidades para um membro do corpo docente, e ser flexível e criativo em encontrar soluções para problemas que surgirão enquanto o semestre avança. Conhecendo que recursos lhe estão disponíveis em Braille e em outros formatos é chave para o sucesso neste campo. Um bom entendimento do código Nemeth Braille vai aumentar muito o seu êxito em uma carreira em Química e outros campos técnicos. Há muitos, muitos livros de ciência e matemática que já estão disponíveis em código Braille Nemeth. Estes livros podem ser localizados usando a base de dados Lous Braille da American Printing House for the Blind
Pode, nem sempre ser possível obter o mesmo livro texto em Braille, que o resto dos alunos estão usando, mas você pode facilmente obter um livro texto similar. Você deve obter os números ISBN de textos substitutos potenciais e compartilhar os títulos, autores, números de edição, e assim por diante com o seu professor para obter a aprovação deles, com antecedência para usar o texto. Cheque com o seu supervisor e/ou setor da faculdade responsável pelos alunos, com relação aos fundos para seus livros em Braille ou em outros formatos alternativos.
Estas são apenas algumas das muitas dicas e truques que permitem aos alunos cegos serem bem sucedidos em cursos de ciência e química.
Para qualquer aluno cego que estiver pensando sobre entrar no campo de ciência e engenharia, eu digo, vá em frente!
-
Partilhe no Facebook
no Twitter
- 2708 leituras
Comentários
Aula de Química
Muito legal!
A vivência e a experiência do Cary Supalo nas aulas de Químicas apresentam a dedicação e persistência dele nos estudos, e o ponto interessante está nos materiais e no laboratório acessível, juntamente o relacionamento inclusivo do professor e dos colegas da sala. Além disso, é um depoimento que mostra a possibilidade de mais uma área para PcDV poder escolher na sua formação, onde muitas vezes são desestimulados.
Gostei do texto e estou espalhando no meio dos meus alunos.
abraços,
LuMiy